Linha do tempo
De onde veio o samba? Quais são suas raízes? Quando começou a se pensar em Carnaval? Por quais transformações ele passou até ser o que é hoje? Entenda tudo isto na nossa linha do tempo.
Século XV
Africanos moradores da colônia portuguesa da Angola, no Centro-Oeste da África, homenageavam a Deusa da Fertilidade de sua religião através de uma dança ritual. Um dos passos é a umbigada, encontro da região do ventre dos corpos do dançarino e da dançarina. Não era um ato libidinoso, nem carregado de sensualidade, mas uma forma ritualizada de se louvar a fertilidade da natureza. Essa prática foi conservada no “Jongo”, dança com fundamento religioso.
Meados dos séculos XVI e XVII
Negros oriundos do Oeste e Centro-Oeste da África chegam aos portos de Salvador e Recife para serem vendidos aos proprietários dos engenhos de cana-de-açúcar do Nordeste. Cerca de 70% dos africanos que foram submetidos a escravidão vieram destas regiões. Mais tarde, a decadência da economia açucareira levou ao deslocamento da mão de obra escrava para as plantações de café que floresceram na região de São Paulo.
1820
Na então Província de São Paulo, o trabalho escravo consolidou-se. O ritmo tocado nas festividades e rituais religiosos estruturou-se e fortaleceu-se nas grandes fazendas de cana-de-açúcar e café. A batida de grandes bumbões, feitos de tronco de árvore e recobertos com couros de animais, era tocada para ritmar as danças realizadas nas senzalas e terreiros. O som grave e profundo se tornou marca do samba paulista.
1850
A partir da metade do século XVIII não era mais possível importar escravos diretamente da África, uma prática utilizada pelos fazendeiros paulistas para manter o avanço da cafeicultura. Sendo assim os fazendeiros traziam de outras regiões do Brasil, em especial do Nordeste, escravos que lá estavam. Então, numa fusão de culturas, o samba de roda dos escravos nordestinos e o Jongo dos escravos paulistas deram origem ao famoso samba de bumbo.
1900
Esta mistura (que vicejou em muitas cidades interioranas como Itú, Campinas, Capivari, Tietê, Piracicaba e também em Vinhedo, no bairro da Capela) foi levada, no final do século XIX e primeiros anos do XX, para a capital do estado de São Paulo pelos negros que, já libertos da escravidão, não encontravam trabalho na lavoura, devido às várias crises passadas pela cafeicultura. Eles tiveram, então, que buscar uma ocupação urbana na capital do estado, cidade que, nesse período, crescia e se industrializava rapidamente, atraindo, por isso, muitos migrantes provindos do interior. Ali, esses migrantes interioranos se fixaram nas regiões em que condições adversas (sejam enchentes constantes ou encostas muito íngremes) dificultavam uma ocupação urbana pelas classes abastadas. Nesses terrenos pouco valorizados formaram-se assim os três grandes territórios negros tradicionais da cidade de São Paulo pós-escravidão: Barra Funda, Bexiga e Baixada do Glicério.
1910
O samba nas primeiras décadas do século XX passou a ganhar novas forças nas cidades paulistas, através do Carnaval. Nessa época eram os cordões que faziam sucesso no Carnaval negro, uma manifestação popular ainda em fase de consolidação. A princípio, os cordões se apresentavam ao som de marchas sambadas compostas pelos próprios sambistas, porque elas permitiam um desfile cheio de evoluções, realizado para agradar um público ainda em fase de conquista e sempre sob o beneplácito, cuidadosamente negociado com a polícia.
1920 e 1930
Intelectuais como Mário de Andrade e Mário Wagner da Silva definem o samba paulista como samba rural. Outras definições surgem como samba de roda, samba de bumbo ou samba de lenço. O samba foi chegando ao território urbano e tomando seu lugar nas cidades interioranas paulistas, através das festas profano-religiosas, sendo cantado e dançado na Festa de Coroação dos Reis do Congo, durante a fase da escravidão e mais tarde na Festa de Santa Cruz ou na Festa de São Benedito. Essa era uma estratégia para que ele fosse aceito entre os senhores mais renitentes, pois se louvava o Santo homenageado naquele dia, cantando e dançando o samba que deixava, assim, de ser visto como uma dança de negro ou ligada às práticas religiosas africanas, tornando-se gradativamente uma dança cristianizada. Deste modo, Campinas se torna uma força legendária nas disputas sambísticas de Pirapora do Bom Jesus. Alceu Maynard de Araújo, um importante estudioso do folclore paulista, dizia que o batuque no estado de São Paulo é “uma dança de terreiro”, mas o batuque em Campinas, dizia ele, era chamado de Cayumba e nele estavam presentes o tambu, o quinjengue ou molemba e o urucungo, definindo assim a percussão original para a realização do samba.
1950
Após a Segunda Guerra Mundial, bairros como Casa Verde, Peruche, Vila Matilde, ou Taboão se constituíram com grande concentração de população Afro-descendente, onde o samba até hoje é uma força tradicional e agregadora. Nesses bairros onde viviam os negros e os brancos pobres, o samba foi aprendido e dançado pelos imigrantes, fossem eles de origem portuguesa, italiana ou espanhola, pois sendo vizinhos e companheiros nas duras lides cotidianas necessárias para se obter uma subsistência mínima, eram também parceiros nos momentos de consagração . O samba ganha assim um caráter integrador, pois através da música e da dança, esses novos brasileiros, também pobres e migrantes, vão conseguindo seu lugar nos espaços econômico, cultural e de lazer das cidades que se desenvolviam. Adoniran Barbosa (que foi nascido e crescido em Valinhos e cujo nome de batismo era João Rubinato), Chico Pinga (E.S. Lavapés) e Tókio (chefe de Bateria da Nenê de Vila Matilde), além de Germano Matias são exemplos de brancos, filhos de imigrantes, que muito contribuíram para o samba paulista.
Os sambistas, negros e brancos, não se esqueciam das suas profundas raízes rurais e pelo menos uma vez por ano retornavam ao interior para, em Bom Jesus de Pirapora, se encontrarem com outros grupos de sambistas vindos de outras cidades. Ali, além de louvar ao Bom Jesus, promoviam acirradas disputas de samba, feitas de improviso, criadas coletivamente e dançadas nos grandes barracões que serviam de alojamento aos romeiros. Era naquele lugar que os paulistanos se embebiam de suas raízes e tradições afro-rurais para continuar montando seus cordões carnavalescos e manifestações urbanas, no entanto, com forte e decisiva influência do Jongo, do samba de roda, do samba de bumbo. Foi esse intenso contato que trouxe para São Paulo uma primeira leva de sambistas tradicionais, nascidos e formados no interior do Estado e que criaram e mantiveram os cordões com seus constantes e quase obrigatórios retornos anuais à Pirapora, até os anos 50. Os sambas tipicamente paulistas resultam de uma tradição cultural que vinha com o povo negro dos confins do Estado, urbanizando-se e fortalecendo-se na capital, tendo por base a manifestação carnavalesca dos Cordões. Ela continuou ainda por algumas décadas sendo mantida nas reuniões realizadas nos dias de festas religiosas negras, na Barra Funda ou no Jabaquara. Esse samba, que de rural se tornou urbano e carnavalesco, deixou marcas indeléveis na história do grupo afro-paulista.
1960 e 1970
O Carnaval foi oficializado pelo prefeito carioca, Faria Lima, que solicitou a um “carnavalesco”, também carioca, que redigisse os regulamentos do desfile de Momo. Esse “carnavalesco”, apelidado Jangada, desconhecendo a realidade do samba paulista, redigiu um regulamento inteiramente baseado nas escolas de samba cariocas, forçando assim todos os cordões, no curto período de quatro anos, de 1968 a1972, a se transformarem em manifestações assemelhadas às da Capital da República, apagando assim essa rica trajetória cultural que hoje estamos reconstruindo juntos.
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